A maior parte da energia é gasta em destruir reputação de
adversário, o que consome muito da inteligência da campanha.
Por Maura Campanili
Fonte: IPAM
Embora temas como energia, abastecimento de água e
mobilidade urbana devam fazer parte dos debates na próxima campanha eleitoral,
a discussão possivelmente será superficial. Essa é a opinião de Ricardo
Abramovay, professor da Faculdade de Economia e Administração e do Instituto de
Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), e coordenador do
Projeto Temático Fapesp sobre Impactos Socioeconômicos das Mudanças Climáticas
no Brasil. Para o cientista político e sociólogo, temas com impactos de longo
prazo, como o atraso na regulamentação do que foi aprovado no Código Florestal
– por exemplo, a implantação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) – ,dificilmente
aparecerão nas campanhas.
Clima e Floresta – Quais as perspectivas da presença do tema
sustentabilidade na campanha eleitoral que deve se intensificar nos próximos
meses?
Ricardo Abramovay – Esse tema provavelmente vai surgir em
questões como energia e abastecimento de água, mas de forma imediatista.
Infelizmente, o que acontece no debate eleitoral – e não apenas no Brasil -, é
que eleições são o pior momento da vida democrática. A maior parte da energia é
gasta em destruir reputação de adversário, o que consome muito da inteligência
da campanha. Discussão de longo prazo não aparece, o que torna o debate menos
esclarecedor. Por exemplo, o terrível atraso no que foi aprovado no Código
Florestal, como a implantação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), que ainda não
está regulamentado e, agora, o esforço da bancada ruralista em permitir o
parcelamento das áreas. Essas questões dificilmente aparecerão na discussão
eleitoral. Outro tema importante que provavelmente não será abordado é
tecnologia. A economia brasileira continua focada na extração de recursos
primários e promessas de que poderíamos avançar na área tecnológica continuam
mais no papel.
Clima e Floresta – Quais os temas que deverão ter mais
atenção?
Abramovay – Um dos temas com tem chance de aparecer é a
mobilidade urbana, ou melhor, a imobilidade urbana. Matéria recente do jornal
Valor Econômico mostra que a dependência do conjunto da indústria brasileira da
indústria automobilística, que era de 16%, em 2004, passou, em dez anos, para
46%. Pior é saber que, o que levou a essa dependência, foram incentivos
governamentais, que consideram apenas a manutenção de nível de emprego como
parâmetro, sem compromisso com inovação tecnológica e desempenho. O discurso do
governo na campanha, possivelmente, será dizer que a população teve mais acesso
a bens de consumo. Mas acesso a bens de consumo não significa maior acesso a
cidadania e bem-estar. Se tenho um carro, mas fico paralisado durante horas no
congestionamento, continuo com um problema socioambiental. Além disso, tem a
poluição, área em que tivermos avanços nas regiões metropolitanas, com medidas
que tornaram o óleo diesel menos poluente, mas continuamos altamente
dependentes de gasolina. Nossas cidades não usam mecanismos avançados para
melhorar a vida das pessoas.
Clima e Floresta – O senhor acredita que questões de
sustentabilidade, como os atuais ciclos de seca e enchentes no país, poderiam
mobilizar a população durante a campanha política?
Abramovay – Nunca participei ativamente de campanha
política. Mas temas dominantes têm sido os mais superficiais. Obviamente, há
candidatos que recusam esse procedimento, mas, no geral, nas eleições
majoritárias há mentira e hipocrisia. Candidaturas costumam mobilizar a partir
de temas religiosos e morais de forma pouco esclarecida, e eles acabam ganhando
peso desproporcional nos debates. Além disso, não sei se conseguimos ter
candidatos que se debatam e se mostrem sobre o financiamento de campanha. Dos
dez maiores doadores da última campanha eleitoral majoritária, seis eram
grandes construtoras e 60% dos recursos doados pelo setor privado vieram de 1%
das empresas. É um universo limitado, um modelo extremamente prejudicial.
Clima e Floresta – Se fôssemos pensar em Amazônia, qual
seria uma boa agenda para debate?
Abramovay – A maneira como são usados os recursos naturais.
Atualmente, grande parte do que é produzido pela agricultura brasileira está
longe de ter impacto na qualidade de vida da população. Ainda hoje, todo
argumento que direciona as discussões sobre agricultura é acabar com a fome. No
entanto, a obesidade já atinge mais gente do que fome. Isso precisa ser
discutido. O que vemos são questões de nutrição sendo discutidas dentro do
debate de saúde pública e produção no de agricultura. Precisamos suprimir o
abismo entre essas duas agendas. Na Amazônia, especialmente, é preciso
fortalecer o empreendedorismo voltado à produção sustentável com a floresta em
pé. Um bom exemplo é a unidade da Natura na Amazônia, sinalizando que
sustentabilidade é importante e pode ser obtida pela valorização do trabalho
das pessoas da região. Não tenho certeza que essa agenda poderá surgir nas
eleições, mas precisa começar a ser discutida. Outro tema crucial seria o
esclarecimento para a população da função e da importância das áreas protegidas
na Amazônia, não apenas nas unidades de conservação, mas também nas terras
indígenas. Episódios atuais divulgados sobre a região podem dar uma ideia à
sociedade que as terras indígenas são pouco importantes para o Brasil, enquanto
elas são a melhor maneira de conservar a floresta, com a população indígena
mantendo a biodiversidade dessas áreas.
Postado por Daniela Kussama
Fonte: Mundo Sustentável.
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